O vírus do nacionalismo, o veneno do nacionalismo,.. e assim por diante com muita, mais ou menos boa intenção, muita da mídia tem já por costume falarem do fenómeno político que significa o nacionalismo, como uma única ideia e como uma única opção de fazer políticas.
E resulta quando menos curioso. Eu também falo muitas das vezes dos males do nacionalismo que estão a encher muito do discurso político nestes últimos tempos numa onda mundial de neo-tradicionalismo. Faço como contraponto, especialmente, a um mundo mais cosmopolita e universalista da pós-modernidade, frente aquele outro muito mais particular e fechado e que esta a ficar na xenofobia e no racismo.
Porem, num dos erros que não deveríamos vir a cair é em qualificar ao nacionalismo como algo que tem uma única face, sendo nas mais das vezes, um pensamento poliédrico, inclusive amorfo na sua constituição e fundamentalmente guiado para a praxe e pouco para a teorização. Poderíamos ficar nesta visão, porém uma das características básicas do nacionalismo, como expressão política e que cada uma das nações tem seu próprio nacionalismo como praxe e movimento político o que faz que o mesmo tenha múltiplas definições, já que também cada nacionalismo executa também o seu corpo teórico.
Que é o que quer isto dizer? Pois na base, que existindo elementos comuns segundo as épocas, cada nação tem realmente a sua teorização e praxe própria sobre o nacionalismo político. O próprio nascimento do nacionalismo político é algo sobre o que é difícil topar certo consenso. Para certo teóricos uma dessas primeiras expressões políticas do nacionalismo foram as comunidades imaginadas da cristandade das guerras das «Cruzadas», como comunidade oposta a aquele primeiro Islão e outras religiões que estes primeiros consideravam como «bárbaros».
A cristandade serviu como nexo de união contra uma causa «comum», frente aos diferentes de «nação», aqueles que não estavam a viver baixo a verdadeira fé, aqueles outros que eram «infiéis». A divisão política do mundo era parelha a uma unidade tutelada por uma única religião. De facto, era que a divisão política na Europa vivia baixo a unidade do Papado e da igreja católica que monopolizava entre outras coisas, a guerra e a paz. Muito daquele mundo passou para a modernidade, que ainda que rachou com a dualidade do poder Rei-Igreja, manteve na essência muito daquele passado e que chegou a inspirar o movimento da Contra-reforma.
A separação entre poder de deus e poder dos homens, transmutou com a época das revoluções que rematariam com o Antigo Regime no mundo ocidental, algo que começara com a Reforma nos principados germanos no tempo de Lutero e que teria o estalar do processo histórico nas revoluções francesa e americana. Logo viriam mais e nasceria o chamado nacionalismo romancista e o nacionalismo crioulo durante o século XIX.
Assim é que apareceu uma «axiologia» sobre a origem e justificação já não religiosa do poder. Neste aparecer das coisas, a construção do poder político, separado já da justificação religiosa, viu trazer onde nós o mito da nação. Pois uma das hipóteses que significou este passo e que reafirmou a construção do que posteriormente seriam os estado-nação é a criação deste mito como relato unificador, já que não era possível ajustar esta unidade sobre um feito religioso que já não era o apoio da legitimidade do monopólio do poder.
No Reino da Espanha, este mito teorizou-se durante o século XIX e tinha como objetivo manter à dinastia borbónica no poder, num mundo onde começavam a aparecer muitas formas de governo republicanas. Um mito de criação da Espanha que começa para muitos no que foi a compra da bula ao Papado por parte da rainha da dinastia dos trastámara, a conhecida como Isabel «A porca» por alguns; já que tinha por costume não lavar-se; ou a que foi Isabel «La Católica» para outros; e que no relato mítico da criação da Espanha é quem «unificaria» as coroas de Castela e Aragão e reconquistaria aos «infiéis» o último dos reinos peninsulares, o Reino de Granada.
O mito poderíamos começa-lo com anterioridade, porém é este o começo da idade de ouro da nação espanhola, o relato é; aliás de algo aloucado; um relato cheio de muita força, a da criação de um Império e é um desses contos dos que gostam as gentes, um final feliz e uma vitoria do «bem sobre o mal». Além do mais, conecta com um passado comum anterior nessa nação de cristandade que teve na Europa forte impacto durante grande parte da Idade Media.
Se calhar, se um esquece do mito, pode chegar a olhar como a chamada «reconquista» não foi tal já que nos mais dos casos as populações de mouros, de judeus e de cristãs, viviam todas nos mesmos territórios, não sendo poucos os senhorios mouros que administravam populações maioritariamente cristãs, por um exemplo. Também olharíamos que a tal unidade dinástica, primeiro dos trastámara que remataria com a chegada dos primeiros habsburgo, não foi para além disto, sem nenhuma uniformização nem política, nem jurídica, nem muito menos social e económica, nos reinos diversos que passaram a depender de uma mesma Coroa no Sacro Império.
Ter o conceito da Espanha como nação baseada nesta suposta mitologia nacional, dá por impossível qualquer opção democrática de definir o que é a nação espanhola, é assim desde esse nacionalismo organicista, baseado no apriorismo da existência da nação previa a qualquer construção política e que a justifica. É neste historicismo mitificado da nação onde fica o veneno e o vírus.
Com certeza o nacionalismo é veneno, o nacionalismo é um vírus. Este nacionalismo que entende à nação como algo referido a um passado, que nunca olha para o futuro e que é reprodutor sempre de um relato que exclusivamente faz um chamado à parte reptiliana do cérebro, uma parte que afasta da política a ração e o pensamento e fica na parte do dogma e da univocidade. Pois é certo, o nacionalismo é veneno!!