Assim é que começou o primeiro dia de ano o António Guterres. Um secretário geral das Nações Unidas sabedor do mundo em conflito que está por vir. Um mundo em varias ameaças; um mundo sem liderança mundial; um mundo onde retrocedem as democracias liberais; um mundo globalizado que luta pela anti-globalização, e assim por diante. Em 2017 remata, definitivamente, a hegemonia ocidental sobre a ordem internacional.
O sistema internacional, geralmente anárquico, tinha sido submetido a uma certa ordem e legalidade baixo do guarda-chuvas da ONU, mas o mecanismo criado no 1945, e que resistiu a uma «Guerra Fria», hoje em dia tem marcada como difícil a sua sobre-vivencia. A nova multi-polaridade do sistema internacional, que parecia crescer nas duas últimas décadas, está a ser substituída, aparentemente, por dois blocos que pretendem a hegemonia mundial.
Quisera não ter que seguir a escrever sobre a Rússia do Putin, já que ultimamente estes escritos estão a parecer mais uma série sobre a vida do «galán de telenovelas» russo. Quisera não ter que escrever mais sobre o Partido Comunista Chinês e a sua forma de resolver o materialismo dialético e a sua luta de contrários. Embora, a realidade dos factos, que é sobre o que giram geralmente as minhas verbas, não deixa outra argumentação que não venha nesta moda.
O papel central na ceia política internacional do «expertise» diplomático russo, está a sacudir, finalmente, o frágil equilíbrio sustido desde o 1989 e o que foi a queda; daquele sonho para alguns, e inferno em vida para outros; que foi a União Soviética. Justamente, neste 2017, uma vez passou um século da Revolução Bolchevique, era bom dar-lhe uma volta a aqueles anos de NEP e gulags.
A «Nova Guerra Fria» é um conceito que uma grande parte de autores estão, ultimamente, a apoiar para definir o novo contexto das relações internacionais. Porem, este conceito fica, nestas alturas, mais do que pequeno para envolver à nova realidade internacional.
Hoje em dia, para além de realidades estatais, no conjunto das relações internacionais, residem outros atores que agem com muito poder; tanto do poder «brando», como do poder «duro». Por exemplo, a UE como poder regional, com uma clara base de territorialidade, é um exemplo de poder «brando». Mas alem disto, não só, porem também, estão a influir estruturas não territoriais, neste novo desenho; desde o Clube Bilderberg, a grupos terroristas supra-estatais como o ISIS, ou grupos da sociedade civil organizada a nível mundial como Anonimus ou novos acordos internacionais como o Clube dos Cinco de Shangai; a atual OCS; passando pelas diversas organizações de integração regional. Há uma nova série de atores que marcam em muito os factos atuais do sistema internacional.
Se calhar, desde os tempos da «Realpolitik» do Kissinger e a sua aposta por um sistema de equilíbrio de poder e de «quid pro quo», que não vivíamos, uma ceia internacional, tão vulnerável e cheia de complexidades. A esta realidade, temos que agendar, a incerteza da nova administração da presidência Trump, onde figuras como Michael Flynn ou Mike Pompeo ou o mais famoso, James Mattis «Mad Dog», não são precisamente chamados para ter um papel inerte na política exterior dos EUA. Isto não tranquiliza, para nada, um mundo com muita gente nervosa.
Ao fim de tudo, voltamos ao principio, em cada um dos conflitos que temos por diante, sempre, sempre, temos um pouco de Rússia. Isto já aparece como normal, Rússia, como fez saber o Putin, já não tem fronteiras. De momento é o poder «brando»; no momento no que a China ponha em efetividade o seu poder «duro» a estabilidade e o equilíbrio do sistema desaparecerá.
Num mundo, que desde já, é post-TTP; um acordo que para muitos, erradamente, unicamente significava a extensão militar da NATO e do poder económico das multinacionais norte-americanas; o poder gravita rapidamente cara o Leste. Agora mesmo, a AGER e a UEE, da mão do Banco Asiático de Investimentos, vão ser eixos fundamentais dos novos centros de poder mundial sobre o «Heartland». No 2017 será já mais do que evidente e clara uma virada cara estes novos equilíbrios.
A China de Xi, a Rússia do Putin e o Irã do Rouhaní; formam uma nova fronte mundial, que abrangera ao 70% da população mundial e ao 75% das reservas mundiais de matérias primas. A este novo eixo não teve dúvidas em somar-se a nova presidência filipina do Duterte ou o turco Erdogan, que haverão de jogar o antigo papel de estados-tampão, dando poder de manobra a Rússia no Médio Oriente e na Ásia Central; como poder terrestre; e a China no Pacífico e no Índico; como novo poder naval.
A mensagem do novo Secretário Geral das Nações Unidas, o português António Guterres, dirigida no dia primeiro do ano, fez um chamado para fazer da paz a nossa prioridade, como bem supremo e como principio orientador. Ele é que tem por diante um mandato quase impossível e nós um mundo muito instável e conflituoso.