As salas do Kremlin foram uma boa festa, onde seguramente entre vodka e caviar passaram varias horas a celebrar a sua vitoria. Se calhar, algumas garrafas de bom champanhe francês, dessas que lhe regalara uma boa amiga sua, também caíram.
E na velha Europa, entretanto, uma classe política esgotada e uma cidadania vaziada, já adianta uma rota que caminha cara uma extremo-filia, que sempre vai ir disfarçada de anti-europeismo e euro-cepticismo, e que rematará, a pouco que deixemos correr, numa quebra totalitária.
A UE, chegou a um ponto, onde abandonou toda esperança e está a deixar-se ir. A UE está chegando a uma grande parada. Ou quando menos isso é o que está a semelhar e a indicar-se a cada novo dia. A desagregação da UE é uma possibilidade que agradaria em muito ao Putin e aos seus interesses de recuperar o pan-eslavismo. Neste momento, muitos são os indicadores, que insistem, na via da fim da UE como projecto e espaço de democracia e segurança comum para os europeus. Uma UE muito mais fraca e muito mais frágil. Uma Rússia e uma China a vascular o modelo económico e social de globalização cara o seu modelo.
Hoje já é possível, se Moscovo acreditar, uma operação militar nas fronteiras da Rússia com os estados bálticos, na fim de assegurar o seu controlo sobre o subministro energético, por um exemplo, e que esta não enfrentará a oposição norte-americana. O Putin não terá travão para estabelecer uma esfera de influência russa muito mais perto da Alemanha, ao tempo que sinalizaria, de facto, o papel da NATO como o brinquedo roto do Trump.
Nesta viragem pan-eslavista do espaço da Europa oriental, a Bulgária e a Moldávia vêem de escolher o caminho que guia cara Moscovo directamente. Na Turquia já assinalaram claramente a sua vontade de deixar de lado qualquer achegamento para a UE, e o Erdogan, num acordo com o partido da extrema-direita, está a meter novamente na agenda política a implantação da pena de morte e a caminhar, sem máscara, por uma deriva fascista.
E desde o interior da mesma UE, tampouco é que os indicadores sejam melhores. Na Itália o Beppe Grilo, do «M5S» ante a vitoria do Trump mandou-lhe um aturuxo em forma de «vaffanculo» ao «establisment». Na França, Le Pen, da FN, pode chegar a ser a Presidenta da República francesa, crescida ante o efeito anti-política do Donald Trump nos EUA e a sua volta sobre as sociedades ocidentais europeias.
O medo, com certeza o medo está a agir E a cólera, com certeza a cólera está a agir. É o efeito anti-política, anti-partidos, anti-políticos. O discurso do medo e da cólera já cristalizou finalmente nas sociedades democráticas avançadas ocidentais, na ultra-esquerda e na ultra-direita. A crise de desafeição da cidadania elevou, finalmente, num reflexo na vontade colectiva de caminhar para um mundo de marca autocrática e profundamente anti-político.
A «guerra híbrida» entre a UE e a Rússia, no que a Federação Russa procura um debilitamento da UE como actor na ordem internacional, está a ter sucesso para os interesses do Putin. A guerra híbrida, com batalhas na Crimeia e por alongamento na Ucrània; ou na Síria e o Norte de África; ou na Georgia ou na Armenia, ou no Curdistão; agora já alarga, finalmente, no interior dos regimes democráticos ocidentais europeus. Nesta guerra, a fortaleça russa é precisamente a sua falta de democracia interna. O Putin instaurou-se no discurso de «fazer Russia grande outra vez»; não sei se é conhecido o «slogan»?
O financiamento russo dos partidos políticos da extrema-direita e anti-europeístas está a ter, por fim, reflexo, no seu mais do que provável, sucesso eleitoral. O UKIP, capitalizando o «Brexit», já começou esse trabalho, dando o primeiro passo para esfarelar a UE e deixar a Rússia como dona do tabuleiro. Seguramente estamos diante do maior avanço democrático de partidos políticos anti-democráticos: xenófobos, chauvinistas,.. desde a auge na fim dos anos `20 do século passado, dos totalitarismos, como a Hannah Arendt gosta de chamar.
A volta à nação-estado, que propõem muitas forças políticas europeias, uma volta à soberania no sentido clássico, é a volta a um nível de poder que não pode defrontar estes novos reptos globais. A saída da UE, na mesma, tampouco parece uma via viável para o mantimento dos equilíbrios actuais, tanto económicos, como políticos no sistema internacional. «Resetear» a UE, esse tem que ser o caminho, sabendo dos perigos que temos fora e da guerra que estamos lutando.
Pois o dito!! nostrovia!!